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Foto MMF |
A certa altura entenderam as finas cabeças dirigentes que o centro das
cidades devia ser preservado, afastando-se dele o trânsito e aumentando
taxas e estacionamentos pagos para que as pessoas entendessem, de uma
vez por todas, que o que de bom ali existia tinha de ser apreciado e,
como tal, o seu usufruto taxado de acordo com o seu valor.
Cascais, cujo centro foi até há apenas um par de décadas um coração
palpitante onde todos se encontravam e trocavam utilidades várias,
transformou-se numa área que ninguém, além de desprevenidos turistas,
frequenta.
Um cidadão de Cascais desce e sobe a rua Direita, o Largo Camões, a
Valbom ou o Visconde da Luz ocasionalmente, quando algo de premente a
isso o obriga e, se tem a infelicidade de parar para um café, paga-o
como se de um ignorante estrangeiro se tratasse.
O centro passou a ser um local em que os quarteirões se transformaram em
gigantescas rotundas, com o trânsito a passar atabalhoadamente da
entrada para a saída do burgo, sem muitas alternativas para parar ou
estacionar, a menos que se tenha uma carteira cheia e capaz de assumir o
pagamento mínimo de um carro parado nos locais de estacionamento que
invadiram tudo, tornando impossível que uma rua tenha alguma vez dois
sentidos.
Não se julgue, no entanto, que o centro melhorou exponencialmente com
estas medidas, porque quem tenta por ali passar de carro vê-se em palpos
de aranha para se desenvencilhar do trânsito, com um surpreendente
número de carrinhas e camiões de descargas a dificultar a passagem a
qualquer hora e em qualquer lugar.
As caravanas de autocarros turísticos que estacionam em todas as vias
também são uma praga que, com certeza, merecia melhor solução do que
ocupar a frente da baía e da Cidadela, ou outros locais com vista que
deviam ser mantidos livres para usufruto de todos.
Não foram pensadas as melhores soluções para o centro histórico de
Cascais e, surpreendentemente, o poder instituído e a oposição insistem,
depois de provas dadas em contrário, que impedir um fluxo normal de
cidadãos a essa área esvaziou-a de interesse, uma vez que não são os
edifícios, as calçadas, as palmeiras e a beira-mar que fazem a beleza de
um local, se não os seus observadores e a empatia que criam com os
locais.
O centro de Cascais tornou-se, portanto, o Shopping Cascais, onde as
pessoas estacionam de graça, fazem compras, tomam café, comem o que lhes
apetece, passeiam sem torcer os tornozelos na calçada esburacada, pagam
as suas contas e regressam a casa em segurança. Ou o espantoso Cascais
Vila, casado com o tenebroso terminal de autocarros e a
inexplicavelmente suja e insegura passagem subterrânea que vem da
estação de comboios.
Quando impedidas de gozar de forma livre um local, as pessoas encontram
outros e fazem muitos quilómetros para se afastarem do que as sufoca.
O centro histórico da vila mais bem cotada do País tornou-se numa
passagem para turistas e carteiristas, estes últimos na sua condição
oficial de delinquentes ou de policiadores do bem público maior, que já
ninguém sabe exactamente o que é nem onde está, depois de curtas e
inexplicáveis passagens por cofres públicos.
Tentar obrigar as pessoas a pagar por uma riqueza, uma beleza e uma
história que são elas que fazem, enquanto observadoras e participantes
desses fenómenos, é um conceito fútil e, portanto, destruidor.
O coração das cidades só bate através do coração dos seus cidadãos.
Impedi-los de se sentirem bem e livres nos centros que eles criaram e a
que deram vida é fazer fugir a alma de qualquer local.